UMA VISÃO GERAL DA SITUAÇÃO TIBETANA DENTRO E FORA DO TIBETE

"GEORGE ORWELL teria entendido as
atitudes Chinesas no Tibete. Em "1984" cunhou o termo "duplipensar", ou
a capacidade de acreditar em coisas contraditórias. Assim os líderes
chineses professam em acreditar que tanto a cultura tradicional
tibetana é repugnante, cheia de superstição e crueldade, e que o Tibete
é uma "parte de inalienável da China". Eles também reivindicam que o
Dalai Lama, líder espiritual do Tibete, tornou-se irrelevante, mas
insiste que ele conseguiu fomentar o último derramento de ressentimento
anti-chinês visto no Tibete."

("A colonial uprising" – 19/03/08 – The Economist)
tradução da citação: Gus
 
crédito: EPA A atual crise no Tibete tá servindo pra cair a máscara de muitas organizações de esquerda que se dizem democráticas. Defendem a liberdade do Iraque ao mesmo tempo que defendem a ocupação chinesa no Tibete. O recado que essas pessoas e organizações passam é claro: imperialismo americano é ruim, mas o chinês é bom, só isso, sem maiores explicações.
 
Cheguei a ver textos esquerdistas falando que o Dalai Lama é contra as reformas "democráticas" que o governo chinês vêm implantando no Tibete, e pior, que a ocupação chinesa foi um pedido dos Tibetanos. Quando vejo esse tipo de distorção da realidade fico feliz que o socialismo autoritário da antiga URSS e leste-europeu tenha desmoronado, e que esse tipo de pensamento não tenha futuro algum no Brasil.
 
Mas eles (socialistas autoritários) também têm consciência que o brasileiro nutre aversão à esse tipo de regime FASCISTA com colorações vermelhas, por isso, na maior parte do tempo, encobrem seus arroubos autoritários através de campanhas de solidariedade aos povos oprimidos pelo império norte-americano. Porém, quando o grito de liberdade parte de um povo dominado pelo IMPÉRIO "democrático" chinês a máscara dos socialistas autoritários desaba, especialmente a daqueles que se encontram nos PCs (Partidos "Comunistas"). 
 
Somente para esclarecer meus leitores: minha solidariedade é para com o povo Tibetano e seu desejo de liberdade. Sobre o fato do Tibete voltar a ser uma teocracia caso o Dalai Lama logre êxito na sua campanha pela independência (ou maior autonomia) tenho minhas reticências. Não sou um defensor fanático do modelo democrático liberal (muito menos o "democrático" comunista), e a possiblidade de uma teocracia feudal, mesmo que budista, me incomoda. Porém, consigo visualizar  o Tibete como uma teocracia parlamentarista moderna (ok, meus amigos esquerdistas podem rir), aonde a figura do Dalai Lama seja a de uma autoridade espiritual e chefe de estado, deixando a chefia do governo nas mãos de um primeiro ministro eleito e de um parlamento representativo. Não é o ideal, mas acredito que seja a única opção aceitável pelo próprio povo tibetano, que aparentemente não está disposto à renunciar da centralidade da religião na condução de suas vidas. 
 
 
 
Pesquisa de links: Gus
 
Segue abaixo o relato de Beatriz Bispo, uma brasileira que estuda
Budismo Tibetano há 15 anos na cidade de Dharamsala, onde funciona o
governo tibetano no exílio. O relato foi repassado pra mim através do meu camarada Alessandro, dono do blog Paladar de Palavra.

 
UMA VISÃO GERAL DA SITUAÇÃO TIBETANA DENTRO E FORA DO TIBETE

16/03/2008

Índia: McLeod Ganj  (O quarteirão Tibetano em Dharamsala) está fervendo. Eu vivo a 200 metros do templo principal, o qual, nesses últimos dias, tem sido o  maior foco para as protestos aqui. As ondas das emoções que variam de alegria, cantos e gritos  de lamentos e "slogans",  que podem ser  ouvidos do meu quarto.   Na rua em frente ao templo uns quarenta Tibetanos estão em greve de fome, esperamos, porém que não cheguem até a morte.  Cem daqueles que planejavam marchar  de Dharamsala a Lhasa, foram detidos  antes que  chegassem à fronteria do estado do Himachal Pradesh  com o estado do Punjab. Eles estão sendo detidos por quatorze dias porque se recusam à assinar um papel no qual eles juram  que abandonarão a marcha. Ontem – dia 16/03 – um grupo de duzentos sairam em marcha de Macleod Ganj para cercar a prisão onde seus companheiros estão detidos. Este grupo se transformou em uma multidão de mais de  três mil dos Tibetanos que vivem aqui. E até hoje mesmo muitos outros estão dispostos a fazer o mesmo.    

Todas as lojas, restaurantes e tudo aquilo que diz respeitos aos Tibetanos estão fechadas. Em Delhi a poucos dias atrás uns cinqüenta protestantes também foram presos.  Eu há pouco vim do templo onde a Sua Santidade  o Dalai Lama deu uma entrevista  coletiva – jornalistas da BBC, CNN, Alemanha, Japão e outros  estavão presentes. Só aqueles  jornalistas da imprensa puderam participar da coletiva.  Tibete: Os chineses dizem  que dez pessoas morreram. Mas  a mídia noticiou uns trinta, a dois dias atrás. Ontem contavam oitenta corpos. Mas aqui as vozes que chegam dizem que são mais de cem. A tendência é só subir. O governo chinês pediu que os manifestantes se rendam antes da meia-noite de segunda-feira 17/03 – se eles desafiarem, ao invés do ‘tratamento severo’ receberão uma ‘moderada’ punição. Seríamos  hipócritas em acreditar nisso. Os manifestantes sabem o que exatamente se espera. Mas não eles esperam render. Os chineses os bloquearam em um quarterão velho da cidade.    

Ainda não é claro como começou a violência. Relatórios de Tibetanos em Lhasa, por celulares, dizem que as manifestações começaram pacificamente  por alguns monjes mas foram reprimidas pelas forças chinesas com força brutal. Isto fez com que as manifestações aumentassem, envolvendo pessoas leigas e eventualmente algum Tibetano, lançando pedras e queimando edifícios etc.   Quase todas as imagens e notícias vêm de Lhasa, com lojas quebradas e queimando. Todavia isto  parece ser mais uma tentativa, chinesa de retratar os Tibetanos como agitadores e ‘terroristas separadores.’ O que as novas imagens das notícias não mostram é a sua  ação severa. Relatórios nos chegam através de celulares dos Tibetanos na capital de Lhasa dizendo que grandes números de manifestantes  ainda inconscientes devido a um tipo de gás lançado,  foram levados  nos caminhões dos exército para lugar ignorado. Outros relatórios contam de pessoas sendo mortas e seus corpos sendo jogados fora.    

Embora a atenção da mídia esteja  concentrada em Lhasa, os Tibetanos em todas as  outras três regiões do Tibete (Utsang, Kham e Amdo), tambem fazem demonstrações com  milhares de participantes em Tau, Kandze, Lithang, Labrang Tashikyil e Penpo. Em Amdo Ngawa até mesmo 12,000 pessoas se levantaram em demostração de protesto. Na  Província de Gansu, os estudantes de uma universidade também se ergueram em manifestação. Em todos os lugares o exército chinês respondeu, a estas demonstrações pacíficas de forma brutal, matando um número de pessoas ainda não confirmado.   Tudo isso são só relatórios, o que realmente está acontecendo nesse momento em Lhasa e nas outras províncias do Tibet é muito dificil de ser efetivamente constatado.   O Dalai Lama e o Governo chinês: O governo chinês diz que as demonstrações foram "habilmente  planejadas pelo Dalai e seu  grupo exclusivo’. O Dalai Lama desmentiu tudo  isso publicamente e temos toda razão para acreditar nele.

Ele lamentou profundamente pelas perdas das vidas que estão ocorrendo não pode  encorajar  as ações que custem as vidas de outros seres.  Por isso é inverossímil,  dizer que as manifestações foram coordenadas por ele, como os Chineses estão proclamando. É muito mais plausível, e de acordo com aquilo que eu conheço dos Tibetanos, que eles tenham começado com demonstrações pacíficas espontâneas  aproveitando essa oportunidade das Olimpíadas em Beijim,  onde o mundo inteiro esta aí focalizado, para  fazer  a causa do Tibet se tornar em uma causa de interesse mundial,  tais demonstraçoes ganharam impulso e geraram eventos semelhantes em outros lugares.  

A intensidade que nós estamos vendo, é uma explosão de frustração retida por quase cinco décadas, um ressentimento por serem oprimidos por um regime que não dá liberdade de expressão, religião e cultura, e não o produto de um ‘esquema do  clã do Dalai.’ Os Tibetanos se sentem entristecidos e com toda razão. As atrocidades  que vem acontecendo a mais de 60 anos são muitas e variadas, não reveladas aos olhos do mundo. Entretanto aqui  não é o lugar para entrar em detalhes.  Embora seja verdade que o Dalai Lama tenha se recusado a pedir que parassem as manifestações, não foi porque ele desejasse causar algum dano aos Chineses ou encorajasse a violência. E sim por que nesses últimos dias ele recebeu telefonemas de Tibetanos suplicarando a ele  que não lhes pedisse para suspender  as suas manifestações.

Os Tibetanos querem exercitar os seus básicos direitos humanos de expressão. Durante anos o povo tibetano foi atormentado  por um sentimento de inutilidade, de querer melhorar as condições na sua própria pátria sem o menor resultado. Agora, eles acham que têm uma oportunidade para fazer algo que poderia  trazer a atenção do mundo à situação do Tibet. Qualquer que seja o resultado mesmo seja  se unindo em uma marcha, a sensação de estar contribuindo pessoalmente com algo,  dá esperança e coragem as pessoas. Considerando que não fazendo nada somos conduzidos à desesperança e a frustração. Se no caso o Dalai Lama pedisse aos tibetanos para pararem com as manifestações, eles se sentiriam devastados, porque eles o respeitam acima de qualquer outra coisa e não querem contradizer  os seus desejos expressos. Mas os Tibetanos, e principalemente a nova geração, sente a necessidade de agir, e agir agora. Muitos Tibetanos me disseram, "Como eu não posso simplesmente fazer nada enquando meus irmãos e irmãs estão  no Tibet arriscando as suas próprias vidas pela nossa pátria? Nós temos uma responsabilidade para os apoiar, não só em pensamento, mas também em palavra e ação."    

As demonstrações começaram no dia 10 de Março que é o 49º aniversário da insurreição falhada contra o chinês após o qual a Sua Santidade fugiu do Tibete para a Índia. É uma data que trás emoções dolorosas para os Tibetanos. E eles sabem que o mundo está vendo a China na corrida até as Olimpíadas. Estes dois, o aniversário da rebelião e a chegada das Olimpíadas, proporcionaram às pessoas um catalisador.  Por favor lembrem que o Tibetanos não são hipócritas. Embora não  se poderia esperar tal reação de povo nômade e comerciante, eles são politicamente astutos. Eles tiveram que sobreviver sob um regime comunista. E ainda, considerando que em outro lugar tal astúcia combinada ao egoísmo poderia ter conduzido à colaboração. Ao contrário em geral, os Tibetanos resistiram à ideologia comunista chinesa e à sua propaganda. Eu atribuo isso à força de caráter e cultura desse povo. Embora quieto durante relativamente muito  tempo, eles esperaram pacientemente o momento apropriado de agir.   Esses são os fatos até onde se pode averiguar.       

Quanto a minha opinião. Eu me senti devastada  e com lágrimas nos olhos quando eu vi os primeiros relatórios na BBC. Enquanto os meus amigos (monges Tibetanos) asseguraram que o que nós estamos vendo era bom. Apesar de ser  um erro e queimar as lojas fosse algo que eles não devessem ter feito… eles fizeram,  e os outros notarão…  Eles estão frustrados pelo jeito em que a Comunidade Mundial até hoje não fez nada mais para garantir a paz e liberdade pessoal no Tibet. Eles querem a expressão do mundo e seu apoio.    Os Tibetanos acham(como eu também) que esta é uma hora crítica. O Dalai Lama tem 73 anos. Com as Olimpíadas em Beijing, o mundo pode ter alguma  influência sobre China. Pode ser um tipo de idealismo (eu não direi ingenuidade) esperar que, por uma vez, o mundo coloque suas preocupações humanitárias e éticas à frente do lado econômico. Se não agora, então quando?  

Eu não espero que a situação possa  ser resolvida logo. Haverão incidentes relacionados às Olimpíadas. As Olimpíadas devem prosseguir, porque o mundo estará lá para testemunhar.   Embora possa aparecer firme, O governo  chinês, é frágil por essa razão que é obrigado a usar meios brutais e medo. Eles não têm nenhuma consideração pelos sentimentos e mentes das pessoas. O que aconteceu na Europa oriental é ligado ao que eventualmente pode acontecer na China.    Ou seja, eu não estou predizendo a queda iminente do regime comunista chinês. Eu só pretendo insinuar que essa agitação é difundida e sentida profundamente. Não só no Tibet mas através de toda China. Vamos esperar que estas manifestações tragam frutos positivos, sejam para os Tibetanos, para os Chineses  e para o mundo.   Eu peço a vocês que leiam, assistam ou escutem o que a Sua Santidade o  Dalai Lama diz. Ele é prático, sábio e acima de tudo compassivo. Ele não é nenhum estadista ordinário e a resposta dele seguramente será um testamento da  originalidade do seu  pensamento.

Beatriz Bispo_ Dharamsala, India

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One Response to UMA VISÃO GERAL DA SITUAÇÃO TIBETANA DENTRO E FORA DO TIBETE

  1. Frederico says:

    Vejo muita lama nos relatos midiaticos sobre o que está ocorrendo no Tibet. Ao meu ver esses protestos feitos na véspera das Olimpíadas são todos oportunistas. O mesmo se diz sobre a figura do Lama. Até botava uma fé nesse cara, mas depois do filme com o Brad Pitt fica difícil acreditar na credibilidade dessa figura decadente.

    O governo autoritário e capitalista da China não fica atrás nesse mar de lama, mas o que mais me impressiona é que os países “civilizados” não irão boicotar as Olimpíadas em protesto as violações de direitos humanos que estão ocorrendo por aquelas bandas. Em ambas as partes os discursos são dúbios.

    A idéia de teocracia budista parlamentarista é realmente ridícula, cabe o povo do Tibet achar a sua solução de governo e de autonomia. Também cabe a nós, espectadores, desse processo tentar ouvir o que o povo do Tibet pensa e diz sobre o que está ocorrendo lá.

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