Carta aberta de Cesare Battisti a Lula e ao Povo Brasileiro

Como última sugestão eu recomendo que vocês continuem lutando pelos seus ideais, pelas suas convicções. Vale a pena! Por Cesare Battisti

“CARTA ABERTA”

AO EXCELENTÍSSIMO SENHOR
LUÍS INÁCIO LULA DA SILVA
PRESIDENTE DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL
SUPREMO MAGISTRADO DA NAÇÃO BRASILEIRA

AO POVO BRASILEIRO

“Trinta anos mudam muitas coisas na vida dos homens, e às vezes fazem uma vida toda”.
(O homem em revolta – Albert Camus)

Se olharmos um pouco nosso passado a
partir de um ponto de vista histórico, quantos entre nós, podem
sinceramente dizer que nunca desejou afirmar a própria humanidade, de
desenvolvê-la em todos os seus aspectos em uma ampla liberdade. Poucos.
Pouquíssimos são os homens e mulheres de minha geração que não sonharam
com um mundo diferente, mais justo.

Entretanto, frequentemente, por pura
curiosidade ou circunstâncias, somente alguns decidiram lançar-se na
luta, sacrificando a própria vida.

A minha história pessoal é notoriamente
bastante conhecida para voltar de novo sobre as relações da escolha que
me levou à luta armada. Apenas sei que éramos milhares, e que alguns
morreram, outros estão presos, e muito exilados.

Sabíamos que podia acabar assim.
Quantos foram os exemplos de revolução que faliram e que a história já
nos havia revelado? Ainda assim, recomeçamos, erramos e até perdemos.
Não tudo! Os sonhos continuam!

Muitas conquistas sociais que hoje os
italianos estão usufruindo foram conquistadas graças ao sangue
derramado por esses companheiros da utopia. Eu sou fruto desses anos
70, assim como muitos outros aqui no Brasil, inclusive muitos
companheiros que hoje são responsáveis pelos destinos do povo
brasileiro. Eu na verdade não perdi nada, porque não lutei por algo que
podia levar comigo. Mas agora, detido aqui no Brasil não posso aceitar
a humilhação de ser tratado de criminoso comum.

Por isso, frente à surpreendente
obstinação de alguns ministros do STF que não querem ver o que era
realmente a Itália dos anos 70, que me negam a intenção de meus atos;
que fecharam os olhos frente à total falta de provas técnicas de minha
culpabilidade referente aos quatro homicídios a mim atribuídos; não
reconhecem a revelia do meu julgamento; a prescrição e quem sabe qual
outro impedimento à extradição.

Além de tudo, é surpreendente e
absurdo, que a Itália tenha me condenado por ativismo político e no
Brasil alguns poucos teimam em me extraditar com base em envolvimento
em crime comum. É um absurdo, principalmente por ter recebido do
Governo Brasileiro a condição de refugiado, decisão à qual serei
eternamente grato.

E frente ao fato das enormes
dificuldades de ganhar essa batalha contra o poderoso governo italiano,
o qual usou de todos os argumentos, ferramentas e armas, não me resta
outra alternativa a não ser desde agora entrar em “GREVE DE FOME
TOTAL”, com o objetivo de que me sejam concedidos os direitos
estabelecidos no estatuto do refugiado e preso político. Espero com
isso impedir, num último ato de desespero, esta extradição, que para
mim equivale a uma pena de morte.

Sempre lutei pela vida,
mas se é para morrer, eu estou pronto, mas, nunca pela mão dos meus
carrascos. Aqui neste país, no Brasil, continuarei minha luta até o
fim, e, embora cansado, jamais vou desistir de lutar pela verdade. A
verdade que alguns insistem em não querer ver, e este é o pior dos
cegos, aquele que não quer ver.

Findo esta carta, agradecendo aos
companheiros que desde o início da minha luta jamais me abandonaram e
da mesma forma agradeço àqueles que chegaram de última hora, mas, que
têm a mesma importância daqueles que estão ao meu lado desde o
princípio de tudo. A vocês os meus sinceros agradecimentos. E como
última sugestão eu recomendo que vocês continuem lutando pelos seus
ideais, pelas suas convicções. Vale a pena!

Espero que o legado daqueles que
tombaram no front da batalha não fique em vão. Podemos até perder uma
batalha, mas tenho convicção de que a vitória nesta guerra está
reservada aos que lutam pela generosa causa da justiça e da liberdade.

Entrego minha vida nas maos de vossa excelência e do povo brasileiro.

Brasília, 13 de novembro de 2009

This entry was posted in Direitos Humanos. Bookmark the permalink.