Política de boteco

Um certo mestre diz que existem duas grandes maneiras de receber lições da vida: pelo amor ou pela dor. Dessa forma, quando a compreensão plena não chega pela via do amor, da paz, o conhecimento acaba chegando pela dor; dor que geralmente decorre do erro insistente da pessoa em pensar que sabe, mas na verdade não sabe ou não aplica o que sabe.
 
Hoje recebi um conhecimento pela dor e, como é de se esperar, não foi agradável.  O conhecimento que adquiri foi que pessoas com prática política militante devem tomar muito cuidado ao conversar sobre política em bares, principalmente com gente bêbada que não tem o mínimo de prática e compromisso político militante. De preferência deve-se evitar essa situação. Sempre tive essa noção, mas hoje a situação desagradável que se desenrolou me fez sentir as consequências de ignorar essa regra. Regra que deveria ser sagrada para militantes, ativistas e pessoas que buscam justiça social terem um dia-a-dia mais saudável.
 
Mesmo não bebendo alcool mantenho o costume de conviver com gente que bebe. Querendo ou não o alcool é "O" agente socializador no mundo atual; e muitos dos meus conhecidos bebem pra quebar sua rotina, entorpecer suas mentes por alguns momentos, esquecer dos problemas e reflexões e tornar suas vidas mais suportáveis.  Dessa forma, no ultimo ano, me tornei um sóbrio no meio dos que bebem. Com o tempo, admito, adquiri uma certa arrogância, pois chega um momento da noite aonde você ser o único totalmente sóbrio te dá uma vantagem estratégica na compreensão da dinâmica social. Principalmente se você já teve o costume de beber.
 
Vamos ao fato: hoje estava num bar com alguns conhecidos e encostei numa mesa de boteco aonde três outros conhecidos estavam bebendo cerveja,   eles já haviam tomado uma quantidade considerável e começamos a falar de assuntos da faculdade aonde nos formamos e a conversa tomou um viés político. Apenas contextualizando: as três pessoas que estavam na mesa são muito amigas entre si e eu nunca fui íntimo dos mesmos, por diversos motivos, mas sempre mantivemos um certo respeito e temos alguns amigos em comum. Um trabalha em banco e os outros dois em sindicatos e associações patronais. Os que trabalham nos sindicatos e associações patronais sempre amaldiçoaram seus trabalhos, estando lá apenas para pagar as contas sem ter um compromisso real com essa atividade. 
 
Voltando ao fato: a conversa tomou um viés político e um dos três começou a soltar aquele velho papo senso comum de "política é assim mesmo, não dá pra fazer diferente" etc etc. A pessoa em questão (conhecida por militantes GLBT da ESP como "TFP") começou a me questionar que tipo de mundo eu queria, que provas eu tinha do que estava falando, insinuou que eu buscava uma utopia e, ao mesmo tempo, não me deixava responder às suas colocações e ficava despejando "argumento" atrás de "argumento" (com áspas mesmo).
 

Estava visível que a pessoa soltava algo que estava preso na sua garganta há muito tempo, a questão não era o assunto em si, mas o julgamento que essa pessoa tinha de mim esses anos todos e nunca teve coragem de falar diretamente. Ela simplesmente estava soltando, de uma forma tosca e indireta, tudo aquilo que estava preso na sua garganta há anos. Como diz um grande ditado popular: "A bebida entra e a verdade sai".  E a verdade era que a pessoa e seus dois amigos íntimos sempre tiveram muita aversão à minha postura política.
 
Quando a conversa com o primeiro atingiu um nível de desgaste total, e eu já pensava em sair da mesa, seu amigo (que defendia o sistema educacional da ditadura em sala de aula) disse, gaguejando e visivelmente receoso:
 
"Takahashi, é uma merda discutir política com você. Você tem idéias legais e um embasamento, mas não aceita opiniões diferentes. Eu, fulano e fulana quando conversamos de política é super agradável, sempre aceitamos a opinião do outro, voltamos atrás, mudamos de opinião etc etc."  
 
Nessa hora respondi:
 

"Fulano, vocês não gostam de discutir política comigo porque pra mim política é um compromisso diário no qual gasto horas de prática; precisa de argumentos muito bons pra eu voltar atrás nas minhas opiniões."
Após essa afirmação pedi licença e sai da mesa.
 
Para os três que estavam discutirndo comigo não é assim. Para eles a política só passou pelos textos da faculdade e em algumas conversas descompromissadas de bar, aonde o  mais importante é manter o clima "super-agradável". Dessa forma, é muito fácil um jogo retórico fazê-los "voltar atrás", "mudar de opinião" (desde que o outro também mude e entrem numa síntese pseudo-dialética), pois para eles não está em disputa algo que tenha a ver diretamente com seu estilo de vida, não está em disputa conceitos e análises que são testados na prática militante e acompanhamento diário do assunto. Para eles, no máximo, a grande questão é um delicioso joguete polêmico e intelectualóide, regado à cerveja e retórica ilustrada pseudo-sociologica, sempre mantendo o clima "super agradável" (queria saber como é um clima "super agradável" com alguém defendendo o sistema educacional da ditadura). No caso específico de dois deles, com suas opiniões embasadas em experiências práticas nos seus respectivos EMPREGOS, em sindicatos e  associações patronais (leia-se: emprego é bem diferente de militância, de fazer algo que você gosta, acredita, estuda e realmente se dedica. militância pode até ser remunerada, mas é diferente de EMPREGO)
 
Não estou falando que pessoas sem prática política militante não devem ter suas opiniões consideradas. Estou dizendo que para conversar sobre política com gente que não tem o mínimo comprometimento moral com o assunto a mesa do bar não é o melhor ambiente. Além disso, nós, militantes, ativistas e pessoas em geral comprometidas com justiça social, devemos sempre avaliar se vale a pena conversar desse assunto em determinado contexto e com determinadas pessoas. O que você vai ganhar ou perder tocando nesse assunto? Você pode plantar espinhos à toa, e eles te picam quando você menos espera. No meu caso, felizmente, a descoberta do espinheiro foi em uma insignificante mesa de bar, aonde interrompi o  momento "super agradável" de três pessoas ocupadas demais com suas vidas.  Em outros casos esses espinhos podem custar algo mais valioso. Por isso, tomem cuidado com o que plantam por aí. O ser humano tem dois braços, duas pernas, dois olhos, dois ouvidos e apenas uma língua. É algo pra se pensar…
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One Response to Política de boteco

  1. legume says:

    de uma maneira geral sempre é necessário avaliar seu interlocutor. Quando trata-se de política é saudável ter em em mente qual o objetivo político que pode ter aquela conversa, se faz alguma diferença real posicionar-se naquele momento.

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