A CHAVE PARA CRIAR O PRÓPRIO DESTINO
(As quatro lições de Liao-Fan)
Nota do tradutor:
Liao-Fan Yuan nasceu durante a dinastia Ming, aproximadamente em 1550,
na província de Jiang-Su, no condado chamado
Wu-Jiang. Ele viveu até a idade de 74 anos,
sendo um importante administrador, além de ter publicado vários
artigos. Essas lições foram originalmente destinadas ao seu filho, posteriormente foram veiculadas
na China por centenas de anos.
As
quatro lições são: O princípio do destino; O método
do arrependimento; Os modos de acumular méritos e Os benefícios da humildade.
Primeira
lição – O PRINCÍPIO DO DESTINO
Perdi
meu pai quando ainda era jovem. Minha mãe pensou que aprender medicina
seria uma boa maneira de me sustentar e também de ajudar aos
outros. Além disso, tendo esta habilidade
nas mãos não teria nunca que me preocupar com a minha sobrevivência.
Poderia até me tornar famoso
por minhas habilidades médicas, satisfazendo a vontade de meu pai.
Desta forma, dei ouvidos à
minha mãe e desisti do sonho de me tornar um oficial do governo.
Um
dia durante minhas viagens, conheci um senhor de aparência distinta
no Templo “Nuvem Clemente”. Ele tinha uma longa barba e
aparentava ser um sábio. Eu lhe fiz uma reverência
e ele me disse: “Você deveria estar estudando, pois o seu destino
é ser um oficial do governo. No próximo ano você deverá
entrar na graduação de Erudição (primeiro nível
escolar). Por que você não
está estudando?”. Eu lhe disse a razão e perguntei seu
nome. O ancião respondeu: “Meu nome é K’ung
da província de Yunnan. Eu tenho um sagrado texto sobre astrologia.
Herdei o conhecimento de Shao-tzu (um estudioso da dinastia Sung que desenvolveu
um método de predizer o futuro) e foi me dito que deveria passá-lo
para você”. Assim, levei o Mr. K’ung para minha casa e contei para minha mãe a respeito
dele. Ela disse para tratá-lo
muito bem e nós testamos sua capacidade de fazer previsões.
O ancião sempre estava correto quer isso fosse um grande evento ou
um simples acontecimento do cotidiano. Desta forma, fiquei convencido sobre o que foi dito
sobre o meu destino e iniciei os estudos de preparação
para o exame do próximo ano. Consultei o primo Shen e ele me recomendou
o professor Mr. Y Hai-ku, que já
ensinava um amigo dele. Assim, tomei-me aluno do Mr. Y.
Mr.
K’ung fez algumas previsões sobre minhas colocações:
“Nas provas municipais você será o décimo
quarto; no nível regional você será o septuagésimo
primeiro e na província será o nono.” No ano seguinte, nos três lugares,
quando os resultados dos exames chegaram foram exatamente como a previsão de Mr. K’ung. Pedi para que ele previsse minha vida inteira. De acordo com ele, eu passaria de teste em teste, ano
após ano, até me tornar um funcionário público e depois receberia uma promoção.
E por último, seria escolhido para o magistrado na província
de Sichuan. Após servir nesta posição por três
anos e meio, aposentar-me-ia e retornaria
ao lar para viver até os 53 anos. Morreria no dia 14 de agosto no horário
de ch’ou. Infelizmente,
não teria filhos. Recebi a informação cautelosamente
e não lhe dei importância.
Dali
em diante, os resultados de cada exame concordavam exatamente com as previsões.
Mr. K’ung também previu que eu ganharia
um salário de noventa e um tan e cinco tou
(unidades de peso) de arroz enquanto permanecesse no cargo. Quando eu já
havia recebido no total setenta e um tou de arroz e meu superior Mr. Tu indicou-me para uma promoção, eu secretamente suspeitei de que a previsão
de Mr. K’ung estava incorreta. Entretanto, ela revelou-se verdadeira porque a recomendação
tinha sido rejeitada pelo chefe de Mr. Tu, Mr. Yang. Somente após
muitos anos de trabalho fui finalmente promovido, e quando calculei
a quantidade de arroz que tinha recebido no cargo vi que tinha sido exatamente
noventa e um tan e cinco tou.
A partir
disso, acreditei que prosperidade e promoções, vida ou morte,
tudo tem seu próprio tempo. Tudo é predestinado. Tornei-me completamente
indiferente sobre qualquer desejo. Naquele
ano, após
a minha promoção, fui enviado à capital,
Yen, por um ano. Interessei-me
pela meditação e perdi interesse nos estudos.
Ao
final do ano, entrei para o colégio imperial no sul da capital. Quando
retornei, fui visitar Yun Ku-hui, mestre
do Zen na montanha Ch’i-hsia.
Permanecemos sentados face-a-face por
três dias e três noites
sem adormecer. Mestre Yun me disse: “A razão pela qual pessoas comuns
não podem tornar-se sábios e santos é porque elas têm muitos pensamentos inquietantes
e muitos desejos. Há sempre uma razão”. Eu respondi: “Mr.
K’ung predisse minha vida, minha promoção, minha morte etc…
Tudo já está predestinado e não há necessidade
de pensar sobre isso, nem de desejar
nada”. Yun me disse: “A pessoa comum
é controlada pelo ch’i do ying e yang, e por isso uma pessoa comum está sob o
controle do destino. Entretanto para uma pessoa que tenha feito grandes obras,
o destino não pode controlá-la. Por outro lado. se a pessoa realiza grandes maldades o destino também
não pode controlá-la. Nos últimos
20 anos você tem sido dirigido pelas previsões do Mr. K’ung,
sem ser capaz de modificar nem um centímetro do seu destino, sendo assim, um
mero mortal. Eu penso que você pode ser um sábio, um ser iluminado”. Neste momento, Yun começou
a rir.
Eu
então perguntei a ele: “É verdade que alguém pode
mudar seu destino, que pode escapar dele?” Yun disse: “Nós criamos nosso próprio destino.
nossa forma é criada por nossa mente. Por nossos pensamentos. Sorte e azar são
também determinados pelas nossas próprias ações. Isso
é o que está escrito nos antigos livros de sabedoria. Nos sutras
do Budismo está escrito que se você
rezar por riqueza e fama, por um filho ou filha, ou por longevidade, você os terá.
Isso não é mentira porque o discurso falso é um dos grandes
pecados do ensinamento budista, então certamente, estando este ensinamento
num sutra ele é verdadeiro”.
Respondi: “Mencius (um sábio chinês
que viveu de 372-289 aC) mencionou que só
deveríamos pedir por aquilo que está dentro de nossas
possibilidades, em outras palavras, virtude, bondade e honra são qualidades
que temos que procurar obter. Entretanto, quando nos referimos à prosperidade,
fama e status, como podemos procurá-las ou pedi-Ias?” Yun: “Mencius estava correto. Você é que não
entendeu a verdadeira essência. O sexto patriarca do Zen, Hui-neng, tinha dito que todos os campos do
mérito não estão além de “um pequeno quadrado de uma polegada”.
Aquele que procura dentro de si, no seu
próprio coração, pode então estar conectado
com tudo. O exterior é meramente
um reflexo do interior. Aquele que procura dentro de seu próprio coração
a prática dos caminhos virtuosos, receberá naturalmente.
o respeito dos outros e trará posição
de destaque e prosperidade para si Aquele que não sabe como
olhar para dentro de si e verificar seus próprios pensamentos, mas
somente procurar no exterior, então
mesmo que ele trame e planeje, não atingirá seu objetivo”.
Mestre
Yun continuou a perguntar: “O que disse Mr. K’ung sobre seu destino? “. E eu lhe respondi com
todos os detalhes. Novamente ele perguntou: “O que você pensa
que deveria receber? Uma nomeação imperial? Você acha
que você merece ter um filho?” Pensei um longo tempo sobre esta questão e então lhe disse: “Enquanto
todos aqueles que receberam uma nomeação imperial
pareciam ter sorte, eu não tive sorte, e também não acumulei
méritos para construí-ia. Sou
muito impaciente, intolerante,_
indisciplinado e falo sem qualquer
restrição.
Tenho também um ego muito forte e sou arrogante. Isso tudo não
é virtuoso, então como posso eu
receber uma nomeação imperial? Há um antigo ditado que
diz: “A vida nasce da sujeira daTerra, e a água limpa muitas vezes não tem peixe”.
Eu tenho uma obsessão por limpeza, esta é a primeira razão pela qual não tenho
filhos. A segunda razão pela qual não mereço ter um filho
é porque o amor é a
base para toda vida, e a intransigência é a causa da não-vida,
eu sou muito irritado e
sem bondade. Estou completamente ciente sobre minha reputação
e não posso me permitir estar em segundo plano para ajudar os necessitados,
pois, eu não tenho compaixão por eles. Estas são as razões do porque
não devo ter um filho.”
Yun
então disse: “De acordo com você, então, há
muitas coisas na vida que você não merece,
não somente fama e um filho. No
mundo, o porquê de existirem pessoas que são
ricas ou que passam fome até morrerem é que
elas criaram seus próprios destinos
e o Céu simplesmente recompensa aquilo que elas próprias semearam.. 0 mesmo ocorre com a criação de uma criança.
Alguém que tenha méritos
suficientes para umas cem vidas, então terá descendentes que
durarão por cem vidas. Aquele que acumulou méritos para dez
gerações terá descendentes por dez gerações para
protegerem seus méritos; e por último, aqueles que não
têm nenhum descendente são pessoas
que não construíram méritos
suficientes. Se entendermos a razão para criarmos o destino,
então mudar as razões pelas quais não se recebe uma nomeação imperial ou por
não ter filhos, mudando da avareza para a
doação, da intolerância, para
a compreensão, da arrogância para humildade, do descaso para
diligência, da crueldade para compaixão, da hipocrisia à sinceridade, então acumularemos tantos méritos
quanto conseguirmos. Estar bem consigo mesmo, deixando
o passado no passado e iniciando um novo dia, pode-se começar uma nova
vida. Uma vez entendendo os princípios de como criar nosso próprio destino, então poderemos
criar qualquer coisa que desejarmos. Isso é o que significa
uma segunda vida. Se o corpo
físico é governado pela Lei, então nossa mente pode também
se comunicar com o Céu. Como estava escrito no livro T’ai-chia, pode-se escapar da previsão do céu, mas não se pode sobreviver às
próprias más ações. Mr. K’ung tinha calculado que você não receberia a nomeação imperial e
também que não teria nenhum filho. Essa é a previsão do Céu, mas se você começar a andar em novos caminhos e iniciar o acúmulo
de méritos então você
estará apto a modificar seu destino. O 1-Ching
foi escrito para auxiliar as pessoas
a evitar o perigo e atrair boa sorte. Se tudo estivesse predestinado então,
não haveria necessidade em evitar o perigo ou de melhorar a sorte. Em todo o primeiro capítulo
do livro está escrito que as
famílias que realizarem boas obras desfrutarão
de boa sorte”.
A partir
desse momento, conscientizei-me e compreendi o princípio do destino,
e então comecei a me arrepender
de todos os meus erros do passado. Escrevi que desejava ser aprovado nos exames imperiais para receber uma nomeação
oficial, assim, prometi fazer 3.000 boas ações para demonstrar minha gratidão.
Mestre Yun também me ensinou como lembrar dos meus méritos, assim como dos meus erros,
pois às vezes os méritos acabam sendo neutralizados
pelos erros. Ele me ensinou a cantar um certo mantra
para fortalecer o que eu pedia
(nota: o mantra Cundi pode ser encontrado em qualquer livro da liturgia budista).
Ele ainda acrescentou que quando
rezamos por algo que se refere à mudança de nosso destino é
importante fazê-lo num momento
de tranqüilidade da mente, então nosso desejo é mais facilmente realizado.
A
teoria de Mencius sobre a determinação do destino de alguém
estabeleceu que uma longa vida ou uma vida breve não são
diferentes. Superficialmente as duas parecem diferentes, mas
sem utilizar a mente discriminatória, elas são iguais. Vendo
mais adiante, aquele que vive indiferente aos bons
ou aos maus resultados têm então, o domínio do seu destino de riqueza ou pobreza.
Ou aquele que vive com adequada indiferença a respeito do status que
se obtêm na vida, obteve o domínio do destino mesmo possuindo
alto ou baixo status. (isto é, quem vive indiferentemente e com serenidade
dos altos ou baixos da vida, adquire o controle de suas emoções e ações, modificando assim indiretamente
o seu destino. Passa-se a ter domínio sobre ele.). Para modificar
:o destino ara melhor
devemos prímeiro corrigir todos os nossos maus hábitos e pensamentos. Quando
um pensamento nocivo é formado, devemos extingui-lo pela raiz. Ser capaz de controlar os próprios
pensamentos é uma completa realização.
Meu
nome do meio significava “mar de aprendizagem”, mas daquele dia
em diante. passei a me chamar Liao-fan, ou “transcendendo
o mundano”. Isso significou minha
constatação de que nós criamos nosso próprio destino.
Eu não quis mais cair na armadilha dos pensamentos
mundanos. Modifiquei completamente meu
modo de viver, passei a viver cautelosamente e com seriedade. No passado costumava
ser indisciplinado e minha mente estava
fora de controle, mas comecei a prestar atenção no que pensava
e no que dizia, mesmo quando
estava sozinho num quarto escuro. Mesmo
quando os outros blasfemavam contra mim ou me maldiziam, eu os tolerava e não ficava zangado. No ano seguinte a esses acontecimentos, entrei
para a etapa preliminar da avaliação imperial. Mr. K’ung havia dito
que ficaria em terceiro lunar, mas fiquei em primeiro. As
previsões de Mr. K’ung começaram
a perder sua eficácia, e assim, fui aprovado naquele outono nas provas,
o que não estava nas previsões
iniciais!
Quando
olhei para mim mesmo, senti que não estava ainda totalmente confortável
no meu modo de viver. Por exemplo, quando praticava
caridades, não estava completamente certo disso, ou quando ajudava as pessoas e ainda tinha algumas dúvidas,
ou quando eu realizava boas obras
e não me comportava apropriadamente, ou quando me via sóbrio
e então me permitia ficar bêbado.
Os méritos e os deméritos
às vezes se cancelavam. Do dia
em que fiz a promessa passaram-se
10 anos até que consegui completar os 3000 méritos.
Após
isso, retornei para minha antiga casa e fui ao templo prestar minhas reverências
e oferecer meus méritos. Fiz então meu segundo desejo e este
era o de ter um herdeiro. Fiz outra promessa de realizar mais 3000 méritos. E
no ano do “Hsin-su” tive um filho, T’ien-ch’i.
Quando realizava uma caridade eu a escrevia num livro. A mãe dele (minha
esposa), que não sabia ler, desenhava um círculo com
a pena de um ganso no calendário quando ela realizava um mérito.
Por exemplo, demos alimentos aos necessitados e ajudamos
pessoas que precisavam. Às
vezes ela acumulava mais de dez círculos num mesmo dia. Assim,
passados dois anos acumulamos os 3000 méritos e novamente
retornamos ao templo para prestar nossas reverências e quitar nossa promessa. Fiz um
terceiro pedido: passar no próximo estágio da avaliação
imperial, a etapa chi”–shih. Prometi desta vez 10000
méritos. Após três anos, em 1586, passei por esta etapa e me tornei o prefeito
de Pao-ti.
Mantive
sempre o livro de registros de méritos e deméritos
próximo à minha mesa de escritório.
Disse para meus subordinados manterem-se no caminho das caridades e no final
do dia fazíamos um relatório
para os céus. Minha esposa notou que eu não estava acumulando
muitas caridades e estava preocupada. Ela disse que
quando estávamos em nossa casa havia muito mais oportunidades para
realizá-las, mas quando mudamos para a residência oficial, elas
rarearam. Como iremos cumprir nossa promessa? Uma
noite em meus sonhos, vi um santo que veio
até mim e disse: “Se você reduzir o imposto nos campos
de arroz, essa única obra valerá por 10000 méritos”. Nesta época, o imposto sobre os
campos de arroz era muito alto, por cada acre o proprietário tinha que pagar uma quantia tão exorbitante
que decidi reduzi-la para aproximadamente
a metade, mas ainda tinha dúvidas quanto a essa medida. Como
uma única ação poderia valer por 10000? Justamente
nessa época, havia um monge viajando na região, vindo das montanhas, e eu lhe descrevi meu sonho.
Ele me disse que se alguém realiza
sinceramente uma boa ação,
então ela poderia valer por 10000 e que quando reduzir as taxas para
toda a região, ao menos 10000 pessoas se beneficiariam com isso. Certamente
aquela caridade valeria por 10000
caridades. Quando escutei essas palavras, resolvi expressar minha gratidão. Doei meu salário do mês
para o monge poder retornar para as montanhas e também como auxílio na alimentação
de 10000 monges.
Mr.
K’ung havia calculado que eu morreria com
53 anos. Não pedi para que houvesse mudança desse fato, mas meus 53 anos vieram
e eu sobrevivi. Agora tenho 69. Passei a acreditar que quando alguém diz que a sorte é determinada
pelo Céu, esse alguém deve ser um mero mortal. Se alguém diz que a sorte é o resultado do que
criamos ou é o reflexo do que temos no coração, então deve ser considerado um sábio.
Em
resumo, apesar de não sabermos qual é o nosso destino, nos tempos
de prosperidade devemos ser humildes
e econômicos e quando os acontecimentos
ocorrem como planejamos, devemos ainda assim, manter-nos
cautelosos e serenos. Quando estamos saudáveis e repletos
de riquezas devemos nos comportar com
simplicidade, sem esbanjar.
Mesmo se tivermos o amor, respeito e o apoio alheio não devemos nos envaidecer. Ao nascermos
numa família afortunada não devemos nos louvar ou exibir para
os outros. Quando temos muito conhecimento devemos tratar os
outros com respeito e pedir auxílio quando necessitarmos. Devemos sempre tentar ajudar o próximo
e sermos muito rigorosos com nós mesmos. Devemos, sem hesitação, nos policiar todos
os dias e realizar mudanças em tudo que ainda não está
perfeito.