Perguntas de um operário letrado – Falecimento do Seu Diniz

No último sábado, 29 de março, faleceu aos 68 anos, de câncer, o zelador da Escola de Sociologia e Política Sr. Antônio Muniz Diniz, conhecido por todos como "Seu Diniz". Quem é espiano de verdade sabe de quem estou falando, do homem que sempre contava histórias do passado da ESP, instituição que ele acompanhou por mais de 35 anos.
 
Ele acompanhou quase todos os momentos relevantes daquela instituição, como o levante de estudantes e professores de 1983 e outros episódios da época da ditadura. Me lembro quando ele disse que ficava na portaria enrolando os caras do DOPS pra molecada esquerdista pular o muro fugindo da repressão. Ou então das conversas que ele teve com Fernando Henrique CArdoso quando este foi nomeado interventor pelo Ministério Público (atépouco tempo atrás, quando passava em frente a ESP, FHC parava seu carro para cumprimentar o seu Diniz). Quantas histórias que poderiam ter sido registradas por uma filmadora e ninguém teve essa iniciativa…
 
Vi que o site da Fundação subiu uma pequena nota a respeito do falecimento de seu funcionário mais antigo. Como a vida é curiosa… o Florestan Fernandes, que praticamente ocultou sua passagem pela ESP, virou nome de sala e do centro acadêmico. Já o Seu Diniz…
 
Isso me fez lembrar o camarada Sidney, um estudante que teve que abandonar a ESP por falta de dinheiro pra pagar a mensalidade e virou militante do MST. Morreu em um acidente de estrada quando se mudava de assentamento. Esse aí os estudantes até tentaram dar uma sala em homenagem, mas devido a má organização do CA da época – que  esqueceu de oficializar a homenagem – a Fundação mantenedora aproveitou a troca de gestão do centro acadêmico e as férias escolares pra retirar a sala do controle estudantil. 
 
A morte do Seu Diniz também me faz pensar que a ESP conta com outras pessoas emblemáticas, como o Seu João, o Adão livreiro (esse aí merece documentário), a professora Irene e tantos outros cuja história se confunde com a história recente da instituição.  Em homenagem à todos posto um poema de Bertolt Brecht.

Perguntas de um operário letrado

Quem construiu a Tebas das Sete Portas?
Nos livros constam nomes de reis.
Foram eles que carregaram as rochas?
E a Babilônia destruída tantas vezes?
Quem a reconstruiu de novo, de novo e de novo?
Quais as casas de Lima dourada
abrigavam os pedreiros?
Na noite em que se terminou a muralha da China
para onde foram os operários da construção?
A eterna Roma está cheia de arcos de triunfo.
Quem os construiu?
Sobre quem triunfavam os césares?
A tão decantada Bizâncio era feita só de palácios?
Mesmo na legendária Atlântida
os moribundos chamavam pelos seus escravos
na noite em que o mar os engolia.

O jovem Alexandre conquistou a índia.

Ele sozinho?
César bateu os gauleses.
Não tinha ao menos um cozinheiro consigo?
Quando a “Invencível Armada” naufragou, dizem que Felipe da Espanha chorou
Só ele chorou?
Frederico II ganhou a guerra dos Sete Anos.
Quem mais ganhou a guerra?

Cada página uma vitória.
Quem preparava os banquetes da vitória?
De dez em dez anos um grande homem.
Quem paga as suas despesas?

Tantas histórias.
Tantas perguntas.

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2 Responses to Perguntas de um operário letrado – Falecimento do Seu Diniz

  1. muitos operários guerreiros e cheios de histórias morrem anonimamente por aí.

    foi um belo post.

    lembrei do militante sem-terra que morreu há 2 semanas, em um final de domingo, enquanto assistia televisão em sua casa, no assentamento. entraram dois capangas encapuzados e mataram. durante a semana, procurei no jornal e não achei nada.

    (!)

  2. prof says:

    Poxa, eu não estudei lá mas lembro dele. Que descanse em paz!
    E por coisas assim, como você mesmo apontou, vai ficando claro quem esta do lado de quem.
    Abraços

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