Brizola e a “pimenta revolucionária” na América Latina

29/01/2008 
 
Esses dias assisti uma entrevista do finado Leonel Brizola no Roda Viva, gravada em 1987. A entrevista se passava no contexto de redemocratização do país, quase final da guerra fria e sob a expectativa das primeiras eleições diretas presidenciais após o regime militar. Na época da entrevista, devido à fragilidade do governo Sarney diante das intensas mobilizações operárias capitaneadas pelo novo sindicalismo, as eleições podiam acontecer a qualquer momento.

Para um apaixonado pelas questões políticas essa entrevista é sensacional! Brizola, apesar dos pesares, era o tipo de homem que não levava desaforo pra casa e não tinha meias palavras. Durante as mais de duas horas chamou um dos entrevistadores de "cara de ratón" e insinuou que outro era agente da CIA. Seu jeito de falar misturando erudismo com contundência e sinceridade com o típico jogo político de falar e não dizer nada faz falta noo marasmo atual da política institucional. É o tipo de personagem que nos proporciona bons debates, reflexões e o fundamental: gargalhadas!

Das muitas reflexões que essa entrevista me proporcionou destaco a que foi fruto da pergunta de Mino Carta (atualmente na revista Carta Capital e na época na revista Senhor – que nome horríevel pra uma revista!) sobre qual o posicionamento ideológico do Leonel Brizola. Essa pergunta foi colocada junto com a observação (aparentemente temerosa) de que Brizola estava prestes a se aliar com o "revolucionário" Partido dos Trabalhadores. Brizola, que já estava alterado por terem insinuado que era um marxista, respondeu de maneira clara, porém "lisa" (liso de sabonete).

O caudilho (apelido dado à Brizola) afirmou que um governo social-democrata na América Latina é possível, mas precisa de alguma "pimenta revolucionária", pois aqui a social-democracia não tem como ser igual à social-democracia européia. Segundo Brizola os países europeus têm uma situação interna que os permite re-estruturar ou modificar políticas em seus países autonomamente. Na América Latina não, pois sempre que se quer transformar ou re-estruturar autonomamente em favor dos interesses populares estamos tocando em interesses internacionais poderosíssimos, estamos tocando no capital estrangeiro.

Ele citou como exemplo a campanha feita contra ele quando expropriou a empresa de eletricidade do Rio Grande do Sul, na época que foi governador daquele estado. Era uma empresa velha, ultrapassada, mas dominada pelo capital estrangeiro. A mesma coisa aconteceu quando ele estatizou a companhia de telefonia do estado. Em ambas as ocasiões ele agiu visando implantar uma política para as massas, agiu dentro da lei e, segundo ele, pelo "interesse do povo". Mesmo assim foi alvo de todo tipo de acusação.

Dando sequência ao seu raciocínio Brizola fez a ressalva que, em contrapartida, pelo menos no Brasil, não existe lugar para uma posição socialista ortodoxa "como alguns sonham". Citou como exemplo que esteve em Miami e viu a burguesia cubana. Em uma comparação simplista afirmou que a burguesia do Brasil é muito maior, "não tem nem como transportar". Em seguida, ele deu uma resposta de candidato, feita pra agradar a esquerda moderada, o centro e diminuir temores dos empresários. Segundo Brizola, não precisamos de soluções exóticas, temos que nos questionar aqui e buscar através da democracia social (socialismo democrático ou social-democracia) os nossos próprios caminhos.

Em clara referência ao modelo socialista soviético decretou que o povo brasileiro não tem chance fora da democracia, que se acontecer uma nova ditadura, seja de direita ou de esquerda, vamos nos afundar de vez. Que nossa única alternativa é democratizar a terra, a economia, democratizar toda a vida nacional, pois democratizando estaremos socializando. No final ele cita como exemplo algumas políticas internas dos EUA, que segundo ele dão lições à esse respeito, e que não admitem que são políticas socialistas ou social-democratas por vergonha ou medo de dar razão aos russos (esse Brisola…).

Pimenta revolucionária e esquerda refundadora latina no século XXI

Ao que parece, em 1987, Brizola ainda não tinha noção dos efeitos que a globalização neoliberal traria anos mais tarde. Imaginava que os países desenvolvidos sempre seriam mais autônomos que os países em desenvolvimento, e por isso conseguiriam implantar livremente qualquer tipo de políticas sociais. Os anos noventa e a consolidação do neoliberalismo mostraram que ele estava errado. Até os países ricos tornaram-se reféns da intrincada teia de relações do mundo capitalista globalizado. Uma nação, por mais rica que seja, não pode se dar ao luxo de implantar medidas populares sem se contrapor à interesses capazes de desestabilizar seu governo.

A observação de Brizola sobre a "pitada de pimenta revolucionária" me fez pensar sobre os atuais governos da esquerda refundadora latino-americana e seus processos de nacionalização e mobilização popular, que têm em Hugo Chávez e Evo Morales seus principais expoentes. São governos com toda uma roupagem revolucionária e socialista, mas que na essência não rompem  com o capitalismo e seu modo de produção (pelo menos por enquanto) implantando, no máximo, políticas progressistas de cunho social-democrata, amparadas em uma poderosa máquina de mobilização populista. Vendo a dificuldade de se implantar essas reformas (grandes e importantes, mas apenas reformas) é de se pensar que Brizola estivesse errado na dose da receita. A recente derrota do bolivarianismo no referendo Venezuelano e as difuldades enfrentadas em outros países governados pela esquerda refundadora indicam que, mesmo para reformas de cunho social-democrata, a dose certa de pimenta revolucionária na América Latina deve ser bem mais que uma pitada. 

 
taka – taka@riseup.net 
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One Response to Brizola e a “pimenta revolucionária” na América Latina

  1. Henrique Jordão says:

    O melhor politico que o Brasil já teve com certeza !

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