Acampamento sem fronteiras (Um relato)

Publico aqui um relato do meu amigo Alessandro sobre o No Border Camp da Inglaterra.

 Boa leitura

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No Border 

No Borders Camp.
Foram 5 dias de acampamento. Para uns outros foram 10. Estar
acompanhando e colaborando com o acamapamento realizado entre os dias
19 e 24 de setembro, realizado proximo ao aeroporto de Gatwick,
Inglaterra, foi de fato antes de mais nada bastante inspirador. Nesse
local esta em fase de acabamento um novo centro de detencao de
imigrantes. Mesmo o governo ja tendo anunciado a possivel data de
inicio de funcionamento desse centro, centenas de pessoas nao aceitam o
fato da crescente politica europeia de criminalizacao dos imigrantes.

Pessoas
vindas de todas as partes da Inglaterra, mas tambem da Alemanha,
Franca, Espanha, Mexico, Holanda, Brasil, , Portugal, Zimbabuwe,
Australia, Palestina, Italia, Escocia, Irlanda, Pais Basco, Dinamarca e
Finlandia estavam presentes. Estive por la dois dias antes de comecar o
acampamento e pude me familiarizar bastante com o jeito ingles de
organizar encontros dessa natureza.

Primeiro creio ser interessante
esclarecer que apesar do acampamento chamar No Borders, seus
organizadores fazem parte de uma rede ja existente na Europa que vem a
mais de 5 anos lutando contra politicas segregacinistas e xenofobicas.
Reivindicam principalmente a libertacao de todos os imigrantes presos
em varios centros de detencao pela Europa, mas tambem a livre
circulacao de pessoas. “Ninguem eh ilegal” eh o que dizem a todo
momento. Essas pessoas entendem a responsabilidade historica dos paises
ricos da Europa para com a miseria e desiqualdade social e economica
dos paises mais pobres, particularmente Africa. Acreditam que todos
aqueles que chegam a Europa, seja por razoes economicas ou politicas,
merecem respeito e solidariedade, e nao o encarceramento que tem sido
praticado.

A Rede No Borders eh uma coalizazao de grupos menores que
sao autogestionados, horizontais e autonomos. As decisoes sao tomados
por consenso e em assembleias. Nao ha nenhuma forma de hierarquia, seja
entre os grupos ou os individuos presentes. Todo o acampamento foi
feito depois de diferentes divisoes de tarefas, decididas
principalmente nos ultimos 3 meses. As assembleias que precederam o dia
19 tinahm em torno de 70 pessoas, depois esse numero passou para 150 e
ouveram dias que tinham em torno de 250.

Mas sera que a coisa funciona
mesmo? Participei praticamente de todas as assembleias e posso afirmar
que sim. Assembleias diarias foram feitas para organizar o espaco,
garantindo o melhor modo possivel para se ter comida, higiene,
seguranca, organizacao das oficinas, e aquilo mais que fosse
necessario. Uma coisa que me chamou muita a atencao nas assembleias era
a paciencia e a educacao para cada um poder se expressar. Eu ficava
lembrando de varias assembleias que perticipei no Brasil e ria comigo
mesmo: sempre um caos e um quebra-pau enorme, mas a coisa acabava
acontecendo tambem. Jeitos distintos de se fazer a mesma coisa.

Talvez
por sermos tao parecidos e diferentes ao mesmo tempo isso funcione um
pouco mais tranquilo, mas claro que haviam desentendimentos e as vezes
provocacoes. Isso tambem era trabalhado pacientemente. Eram tantos
sotaques e idiomas que as vezes ficava dificil entender o que cada um
tentava realmente comunicar. Porem nunca impossivel. Cozinhei com
ingleses, irlandeses, escoceses e espanhois e acho que ate que nos
saimos bem. Fiz a seguranca do acampamento com alemaes e italianos.
Carreguei lenha para o fogo com africanos. Dancei com australianos e
bebi com pessoas que nem tenho ideia de onde eram. Sim, as pessoas
tambem se divertiram. Ja dizia Emma Goldman: “se eu nao puder dancar
nessa revolucao, essa nao sera minha revolucao!”

Havia uma
programacao extensa de atividades. Dentro do acampamento houveram
oficinas sobre solidariedade ao povo de Oaxaca no Mexico e Palestina.
Solidariedade com os imigrantes presos em varios lugares da Europa,
principalmente na Inglaterra, Franca e Holanda. Muitas exibicoes de
filmes ativistas, principalmente de acoes direitas contra centros de
detencao (o melhor que pude assitir foi de uma acao que os holandeses
fizeram em uma barco-prisao. Ocuparam o barco por um dia inteiro e
fizeram ate uma rave dentro!).

Tambem participei de uma oficina muito
interessante sobre apoio psicologico decorrente de traumas causados por
alguma acao politica. Eram duas inglesas falando de diversas
experiencias com pessoas torturadas em delegacias e prisoes, assim como
manifestantes que foram duramente reprimidos em marchas de protesto.
Tambem pude participar de uma reuniao dos Anarquistas contra o Muro.
Saber como anda a atuacao de anarquistas contra o muro de Israel na
Palestina. Tambem houveram muitas reunioes para se fortalecer acoes
anti-deportacoes.

Na Belgica e na Alemanha existem boas experiencias de
grupos que construiram nos campos e nas florestas espacos para abrigar
refugiados. Isso eh muito curioso. A politica adotada por quase todos
os paises europeus com relacao aos refugiados que pedem asilo por aqui,
tem sido de mesmo impacto que com os imigrantes que chegam sem
“papeis”. Geralmente sao encaminhados para algum centro que o governo
chama hipocritamente de abrigo e essas pessoas perdem completamente sua
liberdade. Sao prisoes que nao permitem que esses refrugiados saiam em
hipotese alguma. Cada processo eh avaliado individualmente para julgar
se esse pessoa realmente temnecessidade de asilo politico.

Dependendo
do pais, como por exemplo no caso da Filandia, a pessoa depois de
“liberada” recebe um visto de um ano para permanecer la, mas nao pode
trabalhar, estudar ou mesmo contar com servicos de saude. Ela fica
obrigada a permanecer em um tipo de albergue e somente ali pode receber
alguma ajuda com comida e saude basica. Conehci experiencias que
falavam de ocupacoes para refugiados e ate mesmo pessoas que abriam as
portas de suas casas para abrigar algumas dessas pessoas.

O
acampamento tambem visava ser um ponto de referencia para as acoes que
estavam sendo planejadas para os dias 21 e 22. No dia 21
aproximadamente 200 pessoas foram ate a cidade de Crawley (30km do
acampamento) onde ficam dois centros de detencao de imigrantes e
refugiados. O ato era pacifico e buscava mostrar para as pessoas
detidas nesses predios que havia solidariedade e resistencia. Uma
comissao foi formada para visita-los e entregar um documento para as
autoridades inglesas reinvidicando a liberdade de todos imediatamente.
Havia um forte aparato policial e como nao podia deixar de ser, muita
provocacao por parte do braco armado do Estado. 5 pessoas acabaram
presas, mas foram liberadas em 24h. O ato durou aproximadamente 4
horas. Depois vontamos para o acampamento para continuar com a
organizacao do ato do dia 22, que era o ato com maior enfase.

No
dia seguinte eram pouco mais de 500 pessoas. Muitos foram de trem,
onibus e mesmo de bicicleta. A concentracao teve inicio por volta de
meio dia nos jardins do shopping center que da acesso a aerea do
aeroporto. O caminho tinha aproximadamente 6 km ate a frente do centro
de detencao. Uma batucada animava os manifestantes e as pessoas ficavam
se perguntando o que estava acontecendo ali. Incrivel como as opinioes
se dividiam. Muitos aplaudiam e diziam realmente ser um absurdo o que o
governo estava fazendo. Mas existiam outros que xingavam e gritavam
palavras bem racistas.

A policia caminhava praticamente dentro da
manifestacao e de tempos em tempos usavam de algum argumento absurdo
para tentar prender alguem. Isso nao acontecia com facilidade por que
os grupos de afinidade e outras pessoas tambem partiam para cima dos
policiais tentando forca-los a soltar o manifestante. Quando chegamos
em frente onde sera o centro de detencao alguns discursos foram feitos.
Muitas pessoas da Africa e Iraque tomam a palavra inicialmente. O
microfone esta livre para quem quiser se pronunciar. Ficamos cerca de 1
hora parados e a manifestacao entao comecou a se dispersar. Faixas
continuram erguidas e gritos de protesto ainda eram ouvidos quando
voltamos para o acampamento depois de 6 horas de mobilizacao.

No fim
do dia existe bastante afinidade e apesar de tantos idimas diferencas,
ha um soh coracao. Na manha do domingo depois do cafe, aconteceu a
ultima assembleia do acampamento. Fico com a impressao de que tenha
sido positivo e enriquecedor para todos os envolvidos. Muito trabalho
ainda precisa ser feito e todos sabem que nao sera facil. Entretanto ha
uma certeza: que apesar de dificil, nao eh impossivel. Nao existe nada
que nao possa ser revertido, mudado e transformado. Em tempos passados
houveram epocas dificeis tambem, mas por nao desistirem eh que a
historia continuou a ser feita. Agora chegou nossa vez e nestes tempos
de sutil opressao e apatia, sao encontros como esses que nos alimentam
e nos inspiram.

3 dias mais foram necessarios para desmontar todas
as barracas, tapar todos os buracos e recolher toda sujeira. O mesmo
processo iniciado para a organizar o acampamento prosseguiu ate o
ultimo instante. Bom,digo ate logo para os novos amigos e parto com a
alegria de seguir em frente, sabendo que nao estou sozinho.

Para mais informacoes e fotos do acampamento e dos atos:
http://www.noborders.org.uk/
http://www.indymedia.org.uk/en/actions/2007/nobordercamp/


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