31/07/12
Assunto do momento no movimento ambientalista brasileiro: Marina Silva carregando a bandeira olímpica na abertura dos jogos e representantes do governo brasileiro agindo como vilões de novela. Paralelamente, a audiência vibra com os recortes da mídia mostrando a deselegância e inveja dos vilões e de sua “chefa”, e a firmeza moral e sensibilidade da heroína. Praticamente o bem contra o mal… Será?
“Nós vamos fazer muito melhor. Vamos levar uma escola de samba e abafar” disse Dilma Roussef como foi reproduzido por diversos veículos de comunicação brasileiros. Porém, esta não foi uma resposta à presença de Marina Silva na abertura dos jogos olímpicos como alguns foram sugestionados a pensar, mas uma resposta política (tosca, mas política) a respeito dos jogos no Brasil, que será o próximo país sede. Sobre a presença de Marina, uma leitura minimamente atenta mostra que a resposta foi mais diplomática:“É um orgulho para nós. Eu não sabia, não preciso saber de tudo”, afirmou, admitindo não ter sido informada sobre o convite do COI à ex-ministra e ex-candidata presidencial. Não que Dilma tenha realmente gostado da surpresa, mas em nenhum momento manifestou publicamente o contrário.
Fora isso, ocorreram falas de Aldo Rebelo – recém-convertido ao ogrismo ruralista – insinuando uma proximidade da Marina com as monarquias européias, deixando subentendido que mais uma vez os maléficos interesses transnacionais tentam sabotar o governo “democrático e popular”. Outra fonte da mídia foi um suposto ministro – que prefere se manter anônimo – “vazando” o choque de Dilma e sua equipe com a presença da Marina. Tudo isso devidamente recortado e ressaltado pela mídia hegemônica, mais uma vez cumprindo seu papel patriótico de fiscalizar o governo (principalmente os governos petistas, que apesar de fazerem o jogo das elites ainda não agradam os setores mais conservadores que controlam a mídia).
Em seguida, dentro do pior espírito competitivo que os jogos olímpicos poderiam promover, ambas as torcidas (marineros e petistas) se engalfinham na internet com comentários que não problematizam nada do ocorrido, do papel do comitê olímpico, do modelo de desenvolvimento brasileiro, do impacto nefasto dos megaeventos (incluindo aí as Olimpíadas no Brasil), pelo contrário: as torcidas seguem a risca o script imposto pela mídia hegemônica, uma luta do bem contra o mal, da mocinha modesta e bem vista por todos contra a vilã poderosa e autoritária. Com este foco maniqueísta qualquer debate sério sobre o modelo de desenvolvimento brasileiro passa despercebido.
Um rápido passeio no facebook e twitter mostra o tom do debate entre os marineros:
“Esperamos que a elegante e marcante presença da Marina tenha compensado os desastrosos comentários do Sr. ministro Aldo Rebelo e das infelizes palavras da nossa presidenta Dilma.”
“Foi muita besteira da Dilma dizer que vai abafar com a escola de Samba. Essas frases do PT viraram praxe diante de diversas situações em que os outros são melhores que eles . Eles sempre se acham os Fodões . Meu voto eles não terão ! Que tal investir em Atletas daqui para frente … ?!”
“Aldo Rebelo deve sonhar em ser uma nova encarnação de Stalin…jamais tolera alguém mais inteligente e preparado que ele…é um imbecil!!”
“Não tinham a honradez e a postura da Marina Silva! Pura inveja!”
“Parabéns Marina você merece!!!!!!”
Já os simpatizantes do governo federal não ficam atrás no quesito tietagem sem reflexão, mas não vou reproduzir seus comentários porque meu foco é analisar a reação da base marinera. Eu, sinceramente, estava querendo ficar fora disso, dessa discussão toda, até me empolguei quando vi a Marina na abertura e desanimei logo em seguida vendo o oportunismo da mídia e a histeria de ambas as torcidas.
Porém, hoje me deparei com diversos perfis e páginas do marinismo reproduzindo um
artigo da Miriam Leitão, do jornal O Globo, com o título “MUITO MAIS QUE DESCORTÊS”. Um artigo que potencializa o conflito petistas x marineros como matéria prima da narrativa “bem x mal”, denunciando os vícios autoritários por parte do petismo e seus aliados (como se autoritatismo fosse monopólio do PT). Ou seja, Miriam Leitão usa o fato político criado pela presença da Marina para requentar o discurso de sempre da oposição de direita ao governo petista. E pior: os marineros e os petistas caíram como patinhos nesse jogo, se engalfinhando do jeito que a direita gosta. O que poderia ser um fato para reacender a discussão sobre o Código Florestal, megaventos e modelo de desenvolvimento foi direcionado pela mídia hegemônica (com ajuda consciente e inconsciente de marineros e petistas) para uma narrativa rasa com viés eleitoral.
Miriam Leitão é um notório nome das organizações globo, especializada em tecer críticas ao governo federal e a qualquer ação que bata de frente com os interesses das elites brasileiras. Esse símbolo do articulismo político da direita foi divulgado aos quatro cantos do mundo através dos veículos de mídia marineros, pelo menos os não-oficiais. Isso me preocupou, e muito!
É perceptível que os simpatizantes, militantes e ativistas de ambas as forças políticas estão servindo de massa de manobra da mídia hegemônica. O rumo que a polêmica tomou não favorece a discussão do bem comum, apenas reforça os interesses da nossa elite e da disputa de poder latente em ambos os blocos, marineros e petistas. E o pior, tendo como avalista e juiz a mídia hegemônica conservadora, que visivelmente atua para cooptar o bloco marinero e sua força eleitoral comprovada nas eleições de 2010.
Marina até tentou minimizar a polêmica dando uma entrevista ao Estadão, mas errou o foco ao responder dentro da versão que foi recortada e divulgada pela mídia. Ao responder a pergunta sobre a reação do governo brasileiro o que importava era a opinião oficial da Dilma. O comentário infeliz de Aldo Rebelo e das fontes anônimas divulgadas pela mídia deveriam ter sidos solenemente ignorados, dando ênfase ao reconhecimento do seu histórico na luta ambientalista e problematizando o modelo de desenvolvimento brasileiro. Essa sim deveria ter sido a polêmica, o fato político em torno do modelo de desenvolvimento, e não uma trama de inveja e fofocas como a mídia disseminou.
Todo esse episódio, que foi conduzido como uma narrativa de telenovela, mostra que o campo político pela sustentabilidade precisa se blindar contra manipulações rasas dos veículos de mídia. É urgente a construção de uma estratégia para a formação histórico-política dos membros desse campo. O fato de seus simpatizantes, ativistas e lideranças reproduzirem automaticamente um texto de Miriam Leitão, seus argumentos, e agirem como uma torcida organizada de futebol, mostra que temos uma multidão de descontentes, mas com uma análise de conjuntura deficiente e pouca formação política. Pouca formação política, num primeiro momento, é uma oportunidade para criar algo novo, sem vícios; mas também é uma fraqueza que pode ser utilizada pela direita brasileira, sedenta por um nome inovador que se contraponha ao bloco político petista e defenda integralmente seus interesses nada inovadores.
Ao contrário do que muitos devem estar pensando eu não sou petista, tão pouco sou marinero, mas tenho consciência que a luta política do ambientalismo brasileiro passa, inevitavelmente, pelo bloco político pela sustentabilidade liderado por Marina Silva. É preocupante notar a mídia hegemônica conservadora, incubada durante o regime militar, ligada aos interesses ruralistas e desenvolvimentistas, sinalizando aproximações com Marina através de matérias simpáticas à sua pessoa como nesse episódio das Olimpíadas.
Essa estratégia segue uma lógica perversa de criação de dependência e despolitização do discurso. Utiliza-se a narrativa moralista de telenovela para criar uma história rasa e de fácil compreensão em torno de uma figura identificada como liderança heróica e sensível, que venceu na vida através do trabalho e do estudo. Vale ressaltar que essa tentativa de cooptação da Marina não é de hoje, mas um processo que a mídia hegemônica desenvolve desde sua saída do PT em 2009. É um grande esforço que visa afastar Marina dos movimentos sociais organizados (deixando-os a mercê do PT e da esquerda clássica) e aproxima-la cada vez mais de setores da elite e da classe média, especialmente a classe média desorganizada que é mais suscetível à manipulação midiática.
Se Marina morder a isca e apostar na proximidade estratégica com a mídia hegemônica, deixando em segundo plano o trabalho de base; a criação de redes via internet; o diálogo com movimentos sociais e a formação política em escala, ela estará assinando o atestado de morte de sua autonomia e de qualquer inovação que possa surgir no seu campo político. Essa opção estratégica dá muitos frutos midiáticos no curto prazo, mas no longo prazo cria uma base política com a mesma durabilidade de uma novela; até o poder midiático e sua audiência desorganizada decidirem pelo seu fim de acordo com os níveis de audiência e conveniência.
André Takahashi é sociólogo e ativista do Movimento Brasil pelas Florestas